segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Canto gregoriano: dos mosteiros às paradas de sucesso

Deutsche Welle



Definido como silêncio cantado, estilo musical sacro de origem medieval mantém-se popular. A partir do filme "O nome da rosa", canto voltou a ser alvo de interesse, ganhando espaço em trilhas sonoras e na música pop.
Quando Stefan Klöckner cumprimenta seus alunos, ele costuma começar com as palavras "Pacem meam do vobis" – "Minha paz esteja convosco". Sua especialidade é o canto gregoriano, e a cada ano seus workshops lotam mais rápido. "Já tivemos que recusar alguns candidatos de antemão, porque a demanda pelas oficinas está cada vez maior", comenta.
Os participantes são estudantes de Música e Teologia, membros de ordens religiosas e músicos de igreja. Eles vêm de vários cantos da Europa para estudar a teoria e a prática do coral gregoriano na Escola Superior Folkwang, na cidade alemã de Essen.
O canto coral gregoriano, também denominado cantochão, deve seu nome a Gregório, o Grande (540-604), papa desde o ano 590 até sua morte. Essa forma de música sacra já existia muito antes, tendo raízes nas tradições judaicas. Gregório 1º, entretanto, foi quem começou a reunir os cantos sinagogais em latim, transmitidos oralmente.
Os primeiros manuscritos dos corais de que se tem notícia datam de bem mais tarde. Somente a partir do século 9º as melodias passaram a ser registradas por escrito, em forma de neumas, precursores da notação musical moderna. Os códices que contêm as coletâneas gregorianas, aliás, são os mais antigos registros da música ocidental.
Descoberto pela cultura pop
Gregório 1º começou a reunir cantos transmitidos oralmente
"Até hoje, o canto gregoriano nada perdeu de sua força espiritual. Praticadas durante séculos em clausura, detrás dos espessos muros dos mosteiros, as melodias singelas, porém penetrantes, ganharam popularidade novamente, fascinando até mesmo quem pouco ou nada tem a ver com Igreja ou religião.
Em 1986, o lançamento da versão cinematográfica do romance de Umberto Eco O nome da rosa, cuja trilha sonora era composta exclusivamente de música gregoriana, desencadeou uma enorme onda de interesse.
Nas décadas seguintes, numerosos cineastas, sobretudo dos gêneros fantasia e ficção científica, exploraram a força evocativa desse estilo musical. Exemplos especialmente bem sucedidos comercialmente são Peter Jackson, em sua trilogia O senhor dos anéis, ou George Lucas, na série Guerra nas estrelas.
Silêncio cantado
Paralelamente, desde o início da década de 90, o "pop gregoriano" conquistava as paradas de sucesso, temperado pelos místicos sons de sintetizador de grupos como Enigma ou Gregorian. Até mesmo subculturas como a gótica descobriram os sons medievais.
Sean Connery como monge franciscano em "O nome da rosa" , que gerou interesse pelo canto gregoriano
E o boom não parou por aí: em 2008, com o CDChant – Music for Paradise, os monges cistercienses do seminário de Heiligenkreuz, na Áustria, conquistaram as paradas de sucesso, sendo aclamados quase como um popular boy group. Dois anos mais tarde, as freiras beneditinas da Abadia de Notre-Dame de l'Annonciation, na cidade francesa de Avignon, alcançariam um feito semelhante.
A julgar pelos comentários dos compradores online, o maior grupo de fãs dessa nova onda gregoriana é composto por adolescentes. "A música é belíssima. Não sei nada sobre Deus, mas os católicos fazem uma música tão maravilhosa! Depois da escola, eu consigo simplesmente relaxar e ficar numa boa", descreve uma menina de 15 anos.
Os jovens mergulham num mundo misterioso para eles: em meio ao frenético quotidiano atual, eles buscam o silêncio cantado.
Significado religioso
Oliver Sperling, regente do Coro de Meninas da fundação DomMusik, de Colônia, também vivencia esse entusiasmo entre suas jovens cantoras. "Para as adolescentes, o encanto dos corais gregorianos está na unidimensionalidade dessas melodias, que soam estranhamente exóticas."
Monges de Heiligenkreuz, na Áustria, popularizaram o canto gregoriano
As constatações de Klöckner vão na mesma linha. "Muitos utilizam o canto gregoriano como tranquilizante, uma espécie de escape do dia a dia. Eu mesmo já chamei o canto gregoriano de 'loção enxaguante para os ouvidos', pois ele realmente faz um bem incrível."
Os tempos atuais, prossegue o professor de Essen, são muito suscetíveis aos sons místicos do chamado cantochão. E, em sua opinião, aí também reside um perigo. Pois, quando se reduz essa música ao aspecto místico, deixa-se de fazer jus a seu significado religioso e litúrgico.
Não devemos esquecer que o canto gregoriano é, em primeira instância, a palavra do livro sagrado em forma de som. Só é possível compreender o gregoriano através da Bíblia", diz.
Apesar de tudo, o canto gregoriano não é um modelo em via de extinção, considera Klöckner. "Os cantos continuam sendo entoados como parte da liturgia. E muitos, sobretudo jovens estudantes de música sacra, veem no gregoriano o futuro da música na igreja."
  • Data 12.08.2013
  • Autoria Marita Berg / Augusto Valente
  • Edição Luisa Frey
  • Link permanente http://dw.de/p/19NAc

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