sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Conseguir ingresso para Festival Wagner de Bayreuth é verdadeira odisseia

Deustche Welle


Entradas para o festival de ópera na Baviera são artigos cobiçados, leiloados a pequenas fortunas na internet. As alternativas são: confiar na sorte, esperar uma década ou arrumar um emprego como "moça de azul".

Ver o Teatro do Festival por dentro: um sonho sem preço para wagnerianos
De 10 a 12 anos: esse é o tempo médio que um wagnermaníaco precisa esperar por um ingresso para o Festival de Bayreuth. Isso se não pertencer à diretoria de nenhuma grande montadora de automóveis ou for casado, por exemplo, com a chanceler federal alemã. Ou se não estiver disposto a pagar uma pequena fortuna a um dos cambistas que se amontoam em torno do grande evento anual do mundo operístico.

Foto de Richard Wagner em 1868






O porta-voz do festival dedicado á obra de Richard Wagner (1833-1883), Peter Emmerich, descreve a atual relação de oferta e procura: "A situação é, no fundo, a mesma do ano passado, retrasado, e de todos os últimos anos: tem muito mais gente querendo do que há entradas".
Sendo mais preciso: a cada ano são disponibilizados 53.900 lugares. Desses, mais de 10 mil são distribuídos em diversos "contingentes especiais", destinados não só aos membros do governo alemão e à municipalidade da cidade bávara, como aos patrocinadores e a numerosas associações dedicadas a Wagner.
Acrescentem-se aí cerca de mil ingressos para jornalistas e jovens bolsistas. No fim, sobram cerca de 40 mil entradas colocadas à venda, enquanto a procura, segundo Emmerich, é de "quase meio milhão". O resultado: 12 anos na fila de espera!
Paciência
Esse tempo pode se estender ainda mais caso o melômano cometa um deslize, como se inscrever em um ano para ver O anel do Nibelungo, no outro para Parsifal ou Tristão e Isolda; ou deixar de se alistar religiosamente na lista de espera anual. Aí o sistema Bayreuth é impiedoso: o candidato volta para os últimos lugares.
Esse talvez tenha sido o caso daquela senhora que vinha aguardando desde 1991, sempre reservando duas entradas para o Anel ou para Tristão. E sempre recebia a mesma resposta: "Infelizmente não dispomos de mais entradas".
Em 2010, depois de 19 anos de paciência, ela resolveu mudar de tática. "Hoje, se uma boa conhecida minha e um cambista muito simpático não tivessem me ajudado, eu não estaria na minha querida Bayreuth, essa cidade maravilhosa!", comenta, grata.
"Moças azuis" e questão de sorte
A japonesa Aya Kashemitsu encontrou uma outra saída da lista eterna. Há dois anos ela se candidatou como "mocinha de azul", como são chamadas as recepcionistas da meca wagneriana – embora seu uniforme seja atualmente na cor da moda, lilás. "Ganhamos um assento na lateral. Mas é um lugar de onde não se vê nada!", comenta a jovem.
Apostar inteiramente na sorte também pode ser uma alternativa. Este é o caso de Ulrich Gössele, que chegou às 13h30 para ocupar o terceiro lugar na fila diante da bilheteria. Até o início da récita, ele tem algumas horas para bater papo com a funcionária e rezar para que uma erupção vulcânica ou onda de gripe mundial libere alguns lugares.
Por via das dúvidas, ele já traz o smoking numa sacola de pano. Pois a sorte pode mudar de última hora, como ocorreu há uns dois ou três anos atrás. "Estávamos neste mesmo lugar e a bilheteira perguntou: 'Alguém quer entradas para O Navio Fantasma ?'. Eu peguei. Conheço gente que mora aqui perto e, em vez de ir ao cinema à noite, dizem: 'Vamos lá dar uma olhada, quem sabe hoje dá certo...".
E se não der? "Bayreuth é bonita, o tempo está bom. Aí a gente sai para se divertir e amanhã está de novo na fila!"
Para os mais apressados
Essa estratégia funciona para quem, como Gössele, mora em Tübingen, a umas três horas de carro de Bayreuth. Para os que viajaram especialmente da Rússia ou do Japão até o templo da ópera e precisam garantir o sucesso da empreitada com meios mais palpáveis, o respeitável senhor tem uma dica.
"Está vendo aquele homem de camisa preta, com a bicicleta? Ele é um cambista famoso por aqui." Com sessenta e poucos anos, cabelo ralo penteado para trás, Dieter – é este o seu nome – está casualmente encostado numa coluna, portando, como tantos diante do teatro, um desconsolado cartaz: "Procuram-se ingressos".
Cerimônia em memória de Wolfgang Wagner, neto do compositor, em Bayreuth, abril de 2010
"Pois sim!", duvida Gössele. "Ele quer um pelo preço normal para vender três, quatro vezes mais caro. Nós o conhecemos há muito tempo, há uns 10 ou 15 anos. Ele tem entrada proibida no teatro. Então, para que ele vai querer ingresso...?"
O "Homem da Bicicleta"
A repórter se dirige ao cambista, que primeiro a examina de alto a baixo, desconfiado. Não, ele não tem nenhum ingresso para ela. Mas um amigo seu talvez tenha. Ela que volte em duas horas.
Em seu escritório, a menos de 20 metros de onde age o "homem da bicicleta" – como o cambista notório já é conhecido nos meios bayreuthianos – o porta-voz Emmerich condena a prática. "Somos contra o câmbio negro em geral, fazemos todo o possível para que as entradas não caiam nele. Mas não somos tão ingênuos a ponto de acreditar que alguns controles ou bilhetes nominais vão impedir as vendas ilegais."
Passadas duas horas, Dieter parece estar mais tranquilo do que antes e fornece um endereço numa cidadezinha vizinha. Trata-se de um hotel todo decorado em homenagem a Wagner, perto do antigo correio. O "amigo", Peter, se mostra ligeiramente embaraçado. Normalmente ele nunca faz isso, mas por acaso um hóspede acabou de cancelar o pacote encomendado, com direito a pernoite e uma récita no Festival de Bayreuth...
O preço da beleza sem igual
O preço normal do ingresso é de 120 euros, a repórter tem que pagar três vezes mais: um valor relativamente em conta, comparado às fortunas exigidas no portal virtual de leilões Ebay. O bilhete traz um nome impresso: "Erik Berger, Wuppertal", mas isso ninguém confere. Agora, só resta esperar que o comprador não tenha pedido uma segunda via, alegando perda. Pois isso também acontece.
Afinal, por que todo esse investimento de tempo, dinheiro e paciência, "só" para ter estado em Bayreuth? Na entrada para o espetáculo, um espectador entre tantos tem a resposta na ponta da língua: "A gente quer tanto ouvir! A atmosfera da casa e a qualidade da execução são sempre inigualáveis. E essa sonoridade velada, justamente para Wagner... É de uma beleza sem igual!".
Autor: Anastassia Boutsko / Augusto Valente
Revisão: Soraia Vilela

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