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domingo, 22 de janeiro de 2012

Umberto Eco e os 80 anos de um filósofo que escreve romances

Deustsche Welle


Eco: olhar para além das convenções

Um dos pensadores mais originais e populares da atualidade, ele misturou trama policial e erudição histórica, criando um gênero literário novo. No entanto, a atividade do "jovem romancista" italiano começou "por tédio".



Do lado de fora da Universidade da Calábria 

reina o caos: centenas de pessoas se aglomeram diante da entrada, gritam, escandem palavras de ordem, protestam, batem nas portas de vidro. Dentro, os funcionários tentam contê-las, gesticulam desesperados: "Não tem mais lugar, não tem mais lugar!".
Mas os estudantes não se conformam: eles querem ver seu ídolo. Um astro pop, ator de sucesso, político populista? As aparências enganam: quem vai se apresentar naquela tarde de novembro é alguém que se define, acima de tudo, como professor e se dedica a disciplinas geralmente consideradas maçantes e incompreensíveis: semiótica, linguística, estética medieval.

Jovem romancista de 80 anos

"Umberto Eco? Ah, claro, O nome da rosa!"

Assim reage a maioria das pessoas ao ouvir o nome do italiano que completa 80 anos nesta quinta-feira (05/01). Mas a história da projeção internacional do intelectual nascido em Alessandria, Piemonte, é bem mais do que esse best-seller. Mesmo em se tratando de um que já foi vendido aos milhões, traduzido em mais de 40 línguas, transformado em superprodução cinematográfica e até em videogame. Mesmo que, ao lançar em 1980 essa combinação de romance policial e obra de erudição, seu autor tenha criado não só um gênero literário original, como uma referência cultural universal.
Edição alemã de
 'Baudolino'

A atividade pela qual Eco é, hoje, conhecido no mundo inteiro iniciou-se quase como hobby – ou "por puro tédio", como reza a lenda. Condizentemente, a tiragem inicial de O nome da rosa, pela casa Bompiani, foi de apenas 2 mil exemplares. E isso, só porque o filósofo trabalhara de 1959 a 1975 na editora italiana: um favor entre colegas, por assim dizer.

Por ocasião do 80º aniversário de Eco, foram lançadas em inglês e alemão suas Confissões de um jovem romancista. O título é desconcertante, mas justificável: como alguém que começou a atividade de autor de ficção aos 50 anos de idade, até alguns anos atrás ele se considerava "um romancista ainda jovem e seguramente muito promissor". Depois do sucesso de Baudolino, O pêndulo de Foucault, A ilha do dia anterior e O cemitério de Praga, ele ainda pretende apresentar muitas novas obras, nas próximas décadas. Embora se defina, até hoje, como um "amador".

Idade Média, hoje

Contra a vontade do pai, contador de profissão, Umberto começou os estudos de Filosofia e História da Literatura em 1948, na Universidade de Turim. Oito anos mais tarde, ele escolhia a estética do teólogo Tomás de Aquino (1225-1274) como tema para sua dissertação. Desde então, a paixão pela época medieval nunca mais abandonou Umberto Eco.

Em certa ocasião, ele explicou da seguinte maneira por que se sente mais à vontade naquela época – na qual situou O nome da rosa – do que na contemporânea: com a Idade Média ele tem contato profundo, através dos livros, dos registros em arte e arquitetura, de suas próprias reflexões e viagens pela Europa, enumerou. Os dias de hoje, por outro lado, só conhece pela televisão.

Tal irreverência é bem típica de Umberto Eco e ilustra, em especial, duas de suas características: o humor – quem o conhece de perto sabe que ele adora rir – e sua originalidade como pensador, a ruptura com os conceitos convencionais sobre a cultura.

Sean Connery estrelou 'O nome da rosa' no cinema
Alta cultura, baixa cultura

Já em Obra aberta, de 1962, que lhe rendeu fama imediata como teórico brilhante, ele lançava uma tese então inédita: longe de ser uma entidade fechada em si, toda obra de arte que merece esse nome passa a existir no contato com o receptor, e renasce a cada nova interação com um novo espectador ou ouvinte. A fruição artística é, na verdade um diálogo.

Nos anos seguintes, enquanto a maioria de seus colegas acadêmicos se restringia aos temas mais inacessíveis e complexos, defendendo avidamente o próprio terreno, da erudição, Eco voltava os olhos para o grande mundo. E falava de James Bond, da televisão, de histórias em quadrinhos, de telefonia celular. E assim, suas publicações teóricas trazem títulos quase tão suculentos quanto seus romances: Apocalípticos e integrados, Passeios pelos bosques da ficção, História da beleza, História da feiúra, Entre a mentira e a ironia.
Galeria Umberto Eco no Louvre
A cultura segundo Eco é permeável, liberal. Como intelectual e teórico, sua função é sempre olhar por cima do muro das verdades prontas. Acima de tudo, ele rejeita a divisão entre a alta e a baixa cultura – ou, pelo menos a tradicional hierarquia, segundo a qual a cultura popular seria inferior.

Numa entrevista, ele provou mais uma vez seu talento de tornar compreensíveis os raciocínios mais complexos, com a seguinte imagem: enquanto os livros escolares nos ensinavam a guerra, a matar tudo que não seja italiano, Mickey Mouse nos apresentava valores democráticos. Qual dessas duas formas é mais elevada?

Casa e família

Homem de família
Apesar de todo o inconformismo intelectual, Umberto Eco é um pacato homem de família. Desde 1962 é casado com a alemã Renate Ramge – especialista em museologia e arte –, com quem tem um filho e uma filha.

Entre os paradoxos que envolvem esse ícone da cultura ocidental está também o fato de jamais ter morado muito longe de sua cidade natal, no norte da Itália. Isso, apesar de viajar por todo o mundo e de circular livremente pelas principais universidades e outras instituições culturais. Dividida entre Milão e Monte Cerignone (próxima a Rimini), sua biblioteca particular abarca cerca de 50 mil volumes.

De volta à Universidade da Calábria: protegido por guarda-costas e cercado de jornalistas e fotógrafos, Umberto Eco entra pela porta dos fundos, pronto para iniciar sua "palestra ilustrada sobre a feiúra". Os afortunados espectadores que enchem o auditório estão preparados para surpresas e revelações. Mas uma coisa é certa: os próximos 90 minutos serão tudo, menos acadêmicos, áridos ou esotéricos.

Autor: Augusto Valente
Revisão: Alexandre Schossler





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